quinta-feira

"Qualquer janela serve para voar"





Quando se tem muito tempo livre e pouca imaginação, ou alguma imaginação mas uma determinação ligeiramente tosca, acaba-se inevitavelmente a olhar para a parede como se não houvesse amanhã. E naquela parede passa tudo. Passam os sonhos, passam os dias, passa o tempo. Passa um mar de tudo o que se tem no pensamento, e pensa-se em tudo e mais alguma coisa. A roupa que se vai vestir amanhã, o local onde ficará a casa ideal, a pilha de loiça no balcão da cozinha, a frase feia e má dita no dia anterior a uma pessoa querida, tudo o que ainda falta fazer até se poder parar no sofá e não mais dali sair até se querer, sem se ser obrigado (reforma?! que provavelmente não será assim tão bom, não fazer nada). O filme da vida, a nossa e a dos outros, os dramas, as tragédias, as situações impossíveis de se resolver (que acabam sempre resolvidas), as festas, o brilho das datas especiais, as pessoas especiais, os enlaces e os laços. A razão de se existir. E o propósito de se ser.
O acto puro de pensar. Como quem não tem mais nada que fazer além de ficar especado a pensar para a parede. Tudo o que acaba por se pensar. Uma prisão grande o suficiente para que se oiça o eco do que se pensa. Um misto de cruz e de dom, um afinal "sumo agridoce".
Em vez de uma parede, porque não uma janela? Pelo menos pode sempre contar-se com ela... para voar! Aliviar a angústia de ter apenas uma parede para olhar. Esticar os olhos, espreguiçar as pálpebras e alargar as vistas. Que o que mais se vê, não está à frente dos nossos olhos. Está atrás deles. E quando assim se olha, é preciso muito mais espaço. Esquece-se então a parede, abre-se a janela e afasta-se a cortina e os cortinados. Que tem muito mais por onde reparar. Ainda que seja de noite, ou que se esteja nas traseiras de um prédio cuja vista se resume a tijolos vermelhos ou cimento por pintar. Porque aparece sempre um pássaro ou um insecto voador para fazer comichão na fotografia e emprestar as asas.
Qualquer que seja a janela, serve sempre para voar.

1 comentário:

Cat disse...

so tu, bióloga pa perceber aquela do equilíbrio ! =O)

muah *