sábado

Algo desencantado do fundo da gaveta

O que resta da fogueira na praia. A manta na areia. O marejar. O vai e vem de cada onda. A areia molhada debaixo de mim. O céu a clarear, alaranjado, por detrás do rochedo, preto da noite. A gaivota que chamava alguém. As estrelas que teimavam em espreitar o dia. A lua que não queria ir embora. O ar gelado na minha cara. O sal de água que não era do mar mas de mim. A falta da tua força em minha volta. Fazes-me tanta falta. O teu sorriso. A tua presença. O teu cheiro. Os teus olhos dentro dos meus. Os teus braços colados a mim. As tuas mãos. Tu.
Miserável memória que “teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar”. Miserável memória que me faz sonhar contigo muitas vezes. Miserável memória que teima em ficar. Miserável memória que guardo com tanta força. Miserável memória que é a memória mais linda e mais preciosa que tenho. Miserável memória que me faz guardá-la naquela gaveta. A sete-chaves. Para ser tão mais difícil encontrá-la. Não posso espreitar. Não posso abrir. Não quero lembrar. Mas... como? Se nada quero com mais força?
Não sou eu que falo. Não sou eu que penso. Não sou eu que sonho. Sou eu que temo. E sou eu que choro. Sou eu que não sei e sou eu que me sinto sem ar para respirar e sem chão para pisar e sem uma mão para agarrar. Sou eu que quero mais que tudo ter alguém como te tive a ti, só para mim, para um momento que será como se fosse para sempre, porque então nenhum relógio funcionaria e o tempo não seria o tempo e tudo seria eu e tu. Nós. Alguém para amar.

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