segunda-feira

Mergulhar de cabeça


Quando era pequena eram muitos primos todos em casa dos avós no Verão. Era tão fácil descer a rua e pisar a areia a escaldar, saltar até ao mar e ficar assim o resto do dia. Até que nos chamassem para lembrar que sem comer não se consegue correr, e eventualmente toda a gente precisa de dormir. O areal permanecia praticamente deserto, ainda. E era então que o rochedo parecia mais alto. Ignorava-se muitas regras, mas aquela talvez fosse a mais perigosa para se desobedecer. Faziam fila para saltar, sem pensar se a profundidade seria suficiente naquele local, ou sequer se o mar não estaria agitado demais naquele dia. Era bom sentir aqueles escassos instantes de liberdade pura, em que se era capaz de voar. Gritava-se ao vento e às gaivotas, que já não estavam em posição de se invejar, já tinham sido superados. Aves no ar, peixes na água. Três meses que enquanto não acabavam, duravam para sempre. Havia sempre tempo para mais um mergulho, mais uma corrida, mais uma brincadeira.
Crescemos e ao mesmo tempo que ganhamos a noção da altura do rochedo, perdemos a coragem necessária ao salto. Ficamos limitados à prisão dos pés juntos, pernas flectidas, costas curvas, braços para a frente ao lado da cabeça e respiração sustida, sem conseguir dar o balanço que nos projecta azul após azul. Hoje, estamos de pé na rocha, já nem nos curvamos numa tentativa frustrada de quem ainda pensa ser capaz. Eventualmente, um dia sentar-nos-emos em círculo, contando histórias das vidas entre Verões. Nunca estaremos tão alto como nesse dia. O dia em que, de tão grande a altura, será maior o medo de cair.

1 comentário:

Maria Ana disse...

O medo de cair chega sempre...