domingo

Setembro


Setembro, como não podia deixar de ser. O ar cheira aos plátanos que deitam folhas mortas pelo chão, o mesmo cheiro dos tacos de madeira do chão das salas de aula da escola primária. Os pés levam o cheiro pelos caminhos que se levantam e retomam o curso normal. E os braços balançam para a frente e para trás, a lado do corpo obrigado a funcionar, distraído de si.
A manhã e a noite ficaram frias de repente, como os meus pés e as minhas mãos. Ficam assim quando o sol escasseia. Quis fechar os olhos, atrasar a rota das coisas, prolongar o dia. É sempre em vão. É preciso, antes de abrir a porta e sair, respirar fundo e concentrar a ideia em algo mais longe. Pensar no passo seguinte ao que de momento dou, fugir. Agarrar com força o ar à medida que o trespasso, para me apoiar em direcção a não sei onde, nem o quê.
Meia estação, meio gás, semi-consciência. Adormecimento torpe, em jeito de preparação para o tempo adverso. Mais um dia, mais um empurrão no que há-de vir e mudar o que não pode continuar igual.

quarta-feira

Acaso


Certa manhã, o sol espreitou entre o tecido ondulante da cortina e bateu na sua cara branca. Abriu-lhe os olhos, fê-la bocejar e esticar o corpo. Afastou a roupa e levantou-a da cama. Calçou-lhe os chinelos e pôs-lhe um roupão. Dirigiu-a ao andar de baixo, onde abriu as portas que dão para a varanda e lhe indicou que saísse. Ficou assim, braços estendidos apoiados com as mãos no parapeito ainda frio da noite, queixo erguido, nariz aberto e olhos fechados. Inspirou o dia que começava. Percorreu mentalmente o encadeamento de ideias que defendia em relação à existência do ser. Sussurrou um agradecimento ao acaso que tudo proporcionava. E voltou para dentro, lavou-se, vestiu-se, comeu. Saiu de casa como toda a gente. Trabalhou e divertiu-se. À noite, quando chegou, repetiu o estranho ritual. Depois deitou-se na cama forrada de linho lavado e fresco. Fechou os olhos debaixo dos raios de luar que entravam entre o tecido ondulante da cortina. E esperou, na certeza de não precisar dele, o dia que voltaria a nascer.