quarta-feira

Chegada à Partida

À partida, recordo a chegada. A luz que sobe recorda-me a luz que desce. E o branco do ar remete-me para o amarelo e laranja, quente e frio a anunciar o fim do dia. Às vezes uma neblina suave flutua por cima do arroz. Que vai de verde a castanho antes de darmos por isso. E não tarda já é Verão outra vez. Porque cada sexta-feira de volta a casa a luz desce mais tarde no dia. E a noite demora mais a chegar.
A paisagem aconchega, oferece sensações de tempos que passaram e tem premonições do conforto do colo de quem nos criou e, de qualquer maneira, há-de criar o resto da vida.
Em pouco tempo, entre o sair da estrada nacional e o passar pelo antigo campo de futebol, o cemitério e o velho depósito da água, vejo sobreiros majestosos, vinha mais recente, o percurso do rio acompanhado de salgueiros-chorões com os seus ramos caídos despidos pelo Inverno. Vejo umas ruínas de casas, coroadas de ninhos de cegonhas, que batem o bico em efusiva conversa e das quais distingo a silhueta recortada pelos últimos raios de sol. A várzea, pintalgada de aves brancas que procuram na terra húmida por larvas e minhocas e insectos, termina onde se erguem os montes verdejantes de erva que gosta da chuva. Há um pequeno lago perto das pontes onde nadam alegremente patos e seus patinhos, de plumagem bonita, preta, verde e castanha.
E este cenário aquece-me e traz-me imagens rápidas e em maioria desfocadas de mulheres de cabelo brancos vestidas de preto, hortas com carreiros de couves, galinhas e ovos nos seus galinheiros, e árvores de fruto. E a terra molhada. A lareira acesa. A cozinha e a comida. As caras familiares. A família. As ruas e os velhos nas suas bicicletas.
À partida, lembro-me sempre da chegada. E guardo esse pensamento para me ir lembrando dele durante a semana, até à chegada seguinte.

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