quarta-feira

Pequenice


Quando és pequeno, há um número infinito de países neste mundo, que é impossível saber o nome deles todos. Há tantas pessoas à face do globo que tens a certeza de pelo menos uma estar a fazer exactamente o mesmo que tu em cada momento. Os rabiscos nas folhas dos teus cadernos são para ti os mais eloquentes ensaios. E todas as superfícies são boas para gravares o teu nome, ainda que uma ou mais letras fiquem escritas do avesso. Sabes que a casa de uns dos teus avós é suficientemente longe para as visitas terem de durar pelo menos um dia inteiro e para o Natal ser passado lá todos os anos. Não tens noção de quanto mede um mês, nem sequer uma tarde. Voltas para casa quando escurece, ou quando alguém berra o teu segundo nome a seguir ao primeiro. A tua casa é a rua inteira e ainda a paralela para a qual tens acesso pelo terreno em obras intermináveis. Quando és pequeno, sabes que a certa altura a tua mãe vai aparecer no quintal com um tabuleiro cheio de sandes de manteiga e fiambre, um jarro de limonada e gelo acompanhado de meia dúzia de copos desirmanados e uma taça de cubos de melancia fresca. A única coisa que conheces acerca de gasolina é o cheiro do carro do teu pai. Medes as estações do ano pela orientação e tamanho da sombra do telhado no chão. E até achas que o Verão dura mais do que todo o tempo escolar. Queres adoptar todos os gatos que encontras na rua. Andas descalço todo o dia. Gritas, ris, sobes às árvores, esfolas os joelhos, choras, fazes birras. Lambuzas-te com as torradas grossas com azeite e açúcar e as bolachas maria barradas com manteiga que a avó te prepara. Reconheces o som das canadianas do teu avô e segue-lo para a horta à hora da rega. Quando és pequeno, estas e outras experiências parecem não ter lugar no tempo. Parecem eternas. E não o são?